Depois de ter alargado a Europa até aos Urais, a Europa aborreceu-se de Napoleão e reformou-o. Em 1814, aquele que pôs um exército a ser olhado pela História do cimo da pirâmide, aquele que atravessou o Reno e cruzou estepes, foi metido em Elba, uma ilha de 27 por 18 quilómetros. Aos 45 anos, um albergue de velhinhos. A pequena ilha tinha por símbolo um pavilhão branco com três abelhas. Era muito pouco para uma águia imperial.
Do cimo do monte Capanne podiam ver-se, nos dias claros, a Córsega e, do outro lado, a costa italiana. Duas memórias de começo: o lugar onde nascera e a Itália da sua primeira campanha como general: ambas boas motivações para recomeçar. Tanto mais que o Bourbon que o substituíra nunca lhe tinha enviado um tusto dos prometidos dois milhões de francos de renda. Acrescentem-se as cartas que lhe lia Maria Waleska, a única amante a visitá-lo, onde se garantiam as saudades eternas dos franceses. Menos de um ano depois de a fragata que o trouxe ter deitado ferro na baía de Portoferraio, Napoleão Bonaparte atirou-se de novo à aventura. Deu um baile de Carnaval no Teatro dos Vigilantes, apanhou os espiões ingleses distraídos e embarcou num brigue.
Demorou vinte dias a viagem até Paris. A 1 de Março de 1815, desembarcou no Sul de França. A população acolhia-o num delírio que fazia o contraponto perfeito à indiferença com que o viu partir no ano anterior, depois do Tratado de Fontainebleau. Os notáveis regressavam ao seu manto protector: em Auxerre, até o traídor Marechal Ney veio colocar à disposição a sua espada de "o bravo dos bravos". Na noite de 20 de Março, Napoleão já ficou nas Tulherias, que o rei Luís XVIII acabava de desertar.
Três meses depois de entrar em Paris, o general deixava-se derrotar em Waterloo, outros três meses e chegava à Santa Helena das brumas, para ao fim de seis anos morrer de tédio. Valeu a pena o esforço de tentar outra vez? Sim, mas só por esse plebiscito popular de vinte dias, indo pelo país acima, carregando as baterias da ilusão de que a glória imperial se podia repetir.
Os vinte dias de estrada de Napoleão, da costa sul a Paris, são um caso de estudo que merece chegar a hoje. O regresso de Napoleão Bonaparte foi ilustrado em letra de imprensa, de forma que deslustra a imprensa, mas mostra o género humano em retrato nítido. O jornal parisiense Le Moniteur narra, passo a passo, o avanço de Napoleão. Os títulos sucessivos vou alinhá-los:
1) "O antropófago saiu do seu covil."
2) "O ogre da Córsega acaba de desembarcar no golfo Juan."
3) "O tigre chegou a Gap."
4) "O monstro dormiu em Grenoble."
5) "O tirano atravessou Lyon."
6) "O usurpador foi visto a sessenta léguas da capital."
7) "Bonaparte avança a passos largos, mas nunca entrará em Paris."
8) "Napoleão estará amanhã nas nossas portas."
9) "O Imperador chegou a Fontainebleau."
10) "Sua Majestade Imperial entrou ontem no Castelo das Tulherias, no meio dos seus súbditos fiéis."
Só por este monumento jornalístico valeu a pena o regresso da ilha de Elba.