terça-feira, 13 de novembro de 2012

NOVA LÍNGUA PORTUGUESA

Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos pretos 'afro-americanos', com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado!

As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas domésticas' e preparam-se agora para receber a menção de 'auxiliares de apoio doméstico'. De igual modo, extinguiram-se nas escolas os 'contínuos' que passaram todos a 'auxiliares da acção educativa' e agora são 'assistentes operacionais'. Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por 'delegados de informação médica'. E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas '. O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez'. Os gangs étnicos são 'grupos de jovens'.

Os operários fizeram-se de repente 'colaboradores'; as fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'. O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à 'iliteracia' galopante. Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'. A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: «Sou mãe solteira...» ; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» - eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.

Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente que têm um 'comportamento disfuncional hiperactivo'. Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação', os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento instável'. Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado 'invisual'. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o 'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...). As prostitutas passaram a ser 'senhoras de alterne'.
 
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas fracturantes' e outros barbarismos da linguagem.

E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política» e o novo-riquismo linguístico. Estamos "tramados" com este 'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma 'politicamente correcta'.

Canalhíadas

Se CAMÕES fosse vivo, escreveria assim os "Canalhíadas" (CAMÕES versão atual)

Canalhíadas


I

As sarnas de barões todos inchados

Eleitos pela plebe lusitana

Que agora se encontram instalados

Fazendo o que lhes dá na real gana

Nos seus poleiros bem engalanados,

Mais do que permite a decência humana,

Olvidam-se do quanto proclamaram

Em campanhas com que nos enganaram!
 
II

E também as jogadas habilidosas

Daqueles tais que foram dilatando

Contas bancárias ignominiosas,

Do Minho ao Algarve tudo devastando,

Guardam para si as coisas valiosas

Desprezam quem de fome vai chorando!

Gritando levarei, se tiver arte,

Esta falta de vergonha a toda a parte!
 
III

Falem da crise grega todo o ano!

E das aflições que à Europa deram;

Calem-se aqueles que por engano

Votaram no refugo que elegeram!

Que a mim mete-me nojo o peito ufano

De crápulas que só enriqueceram

Com a prática de trafulhice tanta

Que andarem à solta só me espanta.


Luíz Vaz Sem Tostões